Considerações sobre o Brasil e o Tribunal Penal Internacional.

O anseio por uma jurisdição internacional capaz de perseguir e punir os grandes criminosos responsáveis por atrocidades inimagináveis se concretizou no final do século XX. Em 1998, durante uma conferência em Roma, foi aprovado o Estatuto do Tribunal Penal Internacional (TPI). Delegações de diversos países, incluindo o Brasil, participaram da elaboração do conjunto normativo que estabeleceu a criação, funcionamento e outros aspectos relacionados a uma Corte Criminal de caráter permanente e internacional[1].

O TPI representa um avanço significativo na luta contra a impunidade e na promoção da paz, ao adotar a imparcialidade como um princípio central, considerando todos os Estados como iguais. Em linhas gerais, o Tribunal reforça o princípio da dignidade humana no âmbito internacional, ao flexibilizar a noção de soberania estatal e ao permitir a responsabilização por graves violações de direitos humanos, independentemente da capacidade funcional do Estado[2].

A Constituição Federal de 1988 estabelece uma série de atos que os órgãos legislativos devem seguir para a criação das normas previstas em seu artigo 59. O devido processo legislativo deve ser respeitado, em conformidade com o princípio da legalidade consagrado na Constituição. Assim, a formação de tratados internacionais no Brasil inicia-se com a negociação, conclusão e assinatura, etapas que competem ao Poder Executivo, salvo exceções específicas. A incorporação de tratados ao ordenamento jurídico brasileiro é um processo pelo qual normas de Direito Internacional se tornam aplicáveis internamente, permitindo ao Estado cumprir suas obrigações internacionais.

A Constituição de 1988 é um marco no avanço em direção a um Estado Democrático de Direito, onde os direitos humanos são amplamente reconhecidos. Esses direitos são fundamentados em valores universais e essenciais, especialmente após os horrores da Segunda Guerra Mundial. A Constituição abriga o princípio da indivisibilidade e interdependência dos direitos humanos, ampliando as garantias fundamentais, conforme previsto no § 1º do artigo 5º. Os dispositivos relacionados aos direitos humanos permeiam toda a Constituição, não se restringindo a seções específicas, o que evidencia a posição da República Brasileira em apoiar a criação de um Tribunal Internacional de Direitos Humanos para garantir normas reconhecidas internacionalmente.

Contudo, a Constituição brasileira proíbe a extradição de nacionais, gerando um dilema entre a possível incompatibilidade de suas disposições e o Estatuto de Roma, levando a debates sobre a aprovação do tratado. Na prática, a extradição que é definida como a entrega de um indivíduo a outro Estado para julgamento, funciona como um mecanismo de cooperação penal internacional fundamentado na igualdade soberana. Neste sentido, os Estados firmam tratados ou praticam reciprocidade para evitar a impunidade de criminosos que fugiram do local onde cometeram delitos[3]. A cooperação entre um Estado e o TPI, cuja jurisdição é concedida pelos Estados por meio de um tratado multilateral, destaca a obrigação de colaboração dos países signatários com a Corte.

REFERÊNCIAS

MAZZUOLI, Valério de Oliveira. O Tribunal Penal Internacional e as perspectivas para a proteção internacional dos direitos humanos no século XXI. Tribunal Penal Internacional, p. 121-148, 2004.

SOUZA, Artur de Brito Gueiros. O Tribunal Penal Internacional e a Proteção aos Direitos Humanos: uma análise do Estatuto de Roma à luz dos princípios do direito internacional da pessoa humana. Boletim Científico Escola Superior do Ministério Público da União, n. 12, p. 9-31, 2004.


[1] A experiência dos tribunais de Nuremberg (1945) e de Tóquio (1946), que surgiram após a Segunda Guerra Mundial, foi fundamental para a formação do TPI, servindo como uma resposta às atrocidades cometidas e uma forma de reconhecimento das vítimas. SOUZA, Artur de Brito Gueiros. O Tribunal Penal Internacional e a Proteção aos Direitos Humanos: uma análise do Estatuto de Roma à luz dos princípios do direito internacional da pessoa humana. Boletim Científico Escola Superior do Ministério Público da União, n. 12, p. 9-31, 2004.

[2] MAZZUOLI, Valério de Oliveira. O Tribunal Penal Internacional e as perspectivas para a proteção internacional dos direitos humanos no século XXI. Tribunal Penal Internacional, p. 121-148, 2004.

[3] Desafio esse que como aponta Valério Mazzouli é “um sério problema que se coloca no direito internacional público diz respeito à concreta efetividade da proteção internacional dos direitos humanos, quando está em jogo a ocorrência de crimes bárbaros e monstruosos contra o direito internacional”. Idem, p. 121.

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